O ataque à condição militar<br>é parte constitutiva<br>do ataque às FFAA’s democráticas
Há quem diga que o Governo PS não tem política para esta área. Se nalguns casos tal afirmação resulta de não verem nada de concreto em matéria de reequipamento, no plano grandes questões que se colocam na área do Pessoal, etc., desvalorizando outras componentes, noutros, os mais atentos, tais afirmações visam esconder ou amenizar a política do PS, resumindo tudo à questão da existência ou não de peso político do ministro respectivo ou se o mesmo percebe ou não destas questões. Há ainda os que assim se expressam, procurando fazer passar uma imagem de independência, de quem não comenta as opções governativas em sentido geral, remetendo-se somente às questões da área e usando para o efeito o peso do posto ou do cargo que ocupou/ocupa. Importa não esquecer que Severiano Teixeira tem sido sucessivamente puxado por Governos PS, sendo nomeado para diversos cargos e que foi também um dos contemplados, para produzir um estudo profundo para a reestruturação das forças de segurança, tarefa da qual saiu para ocupar o cargo de Ministro da Defesa actual.
O PS têm efectivamente uma política e um dos vectores dessa política é o da destruição das bases em que assenta a condição militar. Aliás, é a implementação dessa política que os vários Governos PS e PSD/PP têm vindo a concretizar ao longo dos anos, num processo longo, desde logo pela delicadeza da área e também pela resistência que tem sido desenvolvida.
A condição militar não é aquilo que alguns dizem que é, procurando assim, a partir de falsas premissas, os argumentos para desancar nas forças armadas. Nem é aquilo que a propaganda governamental não raras vezes difunde, para justificar as suas opções. A cada um impõe-se, cada vez mais, a capacidade de transformar noticias em informação, esta em conhecimento que se deve sintetizar em saber para uso na acção quotidiana.
A condição militar é somente, e isto é quase tudo, um conjunto de direitos e garantias que permitem com que um militar possa encarar a sua estada nas fileiras com inteira dedicação, inclusive com sacrifício da própria vida, em cumprimento dos desígnios e valores da Constituição da República.
As forças armadas não são dos Governos. Têm um dever de subordinação ao poder político, mas subordinação não é submissão. Ora, todo o percurso que tem vindo a ser feito, vai no sentido de desarticular o quadro de direitos e garantias – a condição militar – e acentuar os mecanismos conducentes à submissão. Tal retrocesso nas sapatas conceptuais em que assenta a condição militar, até poderia verificar-se num quadro de valorização de algumas das componentes – melhores vencimentos, melhor assistência na saúde, etc., como alguns defendem, numa mera e perigosa visão mercantil, ao estilo do tudo tem um preço. Mas não. O retrocesso a que se assiste, desenvolve-se num quadro de desvalorização global, de perda efectiva de direitos nos seus diferentes planos e atingindo crescentemente sectores mais elevados da hierarquia, sendo claro que aquilo que hoje uns sentem, já muitos amargam há muito tempo.
Da indignação à contradição
e aos problemas éticos
Percebem alguns hoje aquilo para que outros há muito alertam. Incomodam-se alguns hoje com aquilo, contra o qual outros há muito lutam. É positiva essa evolução. Mas em nome da verdade, têm-se também de dizer que muitos dos que hoje revelam a sua indignação, não se libertaram do preconceito que os invade sobre um vastíssimo conjunto de matérias, a começar na consagração plena do associativismo militar de carácter sócio-profissional e acabando nos caminhos para um efectivo desenvolvimento económico, social, cultural e político para o nosso país. São por isso compreensíveis as contradições que os invade. Promovem uma análise amplamente partilhada, detectam os fulcros dos problemas e os responsáveis, mas a saída que avançam é, em muitos casos, retrograda.
A desregulação atrás referida coloca problemas de tipo vário, entre os quais estão problemas éticos profundos, como sejam, por exemplo, a resposta às seguintes perguntas: onde está o cumprimento da Constituição da República? Como faço se o juramento que efectuo, é o de cumprir e fazer cumprir a Constituição? O que faço perante o flagrante incumprimento de leis por parte do poder político? Transformo-me num igual e cuido zelosamente da minha carreira? Deixo andar, escondendo valores e princípios, ziguezagueando numa confrangedora gincana? Passo à reserva, perdendo anos de carreira? Por certo que todos os dias, estas e outras interrogações assolam muitos militares. Tais inquietações não podem deixar de ter tradução no modo como esses militares estão na Instituição.
Dos estados de alma da constatação
às soluções que acentuam a viragem à direita
O general Espírito Santo, presidente da direcção da Revista Militar, no editorial de Dezembro da referida revista, sob o título «Os Compromissos são para Cumprir», refere a Lei 11/89 – Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar – e o seu artigo 16.º, que diz «É garantido aos militares e suas famílias, de acordo com as condições legalmente estabelecidas(à época do contrato…) um sistema de assistência e protecção, abrangendo, designadamente, pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue e subsídios de invalidez e outras formas de segurança, incluindo a assistência sanitária e apoio social», para de seguida perguntar: «Este compromisso da Nação e do Estado pode ser quebrado por Governos?». Na mesma revista, o general Loureiro dos Santos afirma, noutro artigo, que: «O Estado português não age no quadro de um conceito estratégico nacional que tenha formulado. Verdadeiramente, não se sabe bem qual o motor da sua acção, o cimento que articula as várias políticas sectoriais». E adianta mais à frente, «Se as políticas de defesa fossem eficientes, definiriam acertadamente as prioridades de obtenção dos materiais e equipamentos indispensáveis à sua real efectivação, em função das ameaças concretas que precisamos esconjurar, tendo sempre como farol os interesses nacionais. (…) Políticas que assegurassem que os materiais e equipamentos fossem recebidos (…) nos prazos pré-definidos, através do cumprimento rigoroso da atribuição das dotações previstas…». E acrescenta, se assim fosse, «Elas não conduziriam a uma miniatura das forças armadas das maiores potências, procurando copiar todas as suas capacidades, sem definir claramente o essencial e o secundário, o que se traduz na delapidação de recursos em capacidades de menor prioridade(…). Nem a sucessivos deslizamentos na atribuição das verbas programadas(…). À não orçamentação ou suborçamentação de dotações(…). À alteração do destino de montantes atribuídos (…) desviando-os para carências gritantes na área do pessoal(…). Se as políticas de defesa fossem eficientes, elas assegurariam (…) os recursos humanos necessários, através de um sistema militar misto (…) com militares provenientes da conscrição. (…) Elas (as políticas, dizemos nós) não se condicionariam a interesses sectoriais, de envolvente eleitoralista, buscando apoios em troca de favores (…). E as políticas de defesa não conduziriam a uma situação em que os militares se sentem maltratados pelo poder político(…)». É um pouco extensa a citação, mas vale a pena porque estamos em presença de um caso paradigmático daquilo que acima é referido, ou seja, quase tudo aquilo que o Gen. Loureiro do Santos refere, tem sido objecto de alerta e de tomada de posição do PCP ao longo dos tempos. Os militares, incluindo o general, sabem que é verdade. Mas que saída adiantam?
O general Espírito Santo, no já referido artigo, diz a dado passo que «O regime disciplinar que deve caracterizar a condição militar tem sido posto em dúvida(…)». Conhecendo-se o pensamento do general expendido noutros momentos, facilmente se percebe que o caminho defendido é o da moda antiga – a lei é o Chefe – e que a alteração legislativa produzida pelo governo PS, com o apoio do PSD, dificultando o recurso por parte dos militares aos tribunais será, para o general, pouco. Uns acham que os «presidentes do sindicato» devem ser os chefes, outros consideram que cabe ao ministro desempenhar esse papel reivindicativo. Em ambos casos, já numa linha condescendente, admitem que existam associações numa mera lógica coadjuvante.
Mas quanto a Loureiro dos Santos, começa-se logo pela afirmação desculpabilizante da política governamental que é seguida. Não se sabe, diz, qual o motor da sua acção. É claro que se sabe e sabe-se a quem serve, e o general também o sabe, até porque isto é do domínio dos factos. O Gen. Garcia Leandro, no jornal Expresso de 2/2/08, refere-o, dizendo que a política do Governo não toca nos grandes interesses, ao mesmo tempo que pede cada mais sacrifícios à generalidade da população que já vive com grandes dificuldades. E diz mais «a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor». E não se sabe também a forma servil, como é dito amen, governo após governo, a tudo o que é oriundo dos EUA? Veja-se o Iraque. Veja-se, em proporção, a presença militar externa portuguesa comparada com a de outros países. Veja-se toda a polémica que rodeia o transporte de presos para Guantanamo. Ninguém sabia? Alguém acredita? Vejam-se as opções de reequipamento tomadas ao longo dos anos, incluindo muitas das que estão actualmente previstas, e pergunte-se se foram em nome do interesse e das prioridades nacionais? Veja-se o que diz Ramiro Ladeiro Monteiro, primeiro director do SIS, na revista Sábado de 1/2/08, «A estrutura do SIS foi decidida no gabinete do ministro (Eduardo Pereira, do PS), mas é óbvio que houve apoio técnico da CIA». E porque defesa nacional não é só a componente militar, pergunte-se se as opções económicas tomadas ao longo dos anos, a destruição das pescas e da agricultura, a destruição da nossa indústria, serviram os interesses nacionais? Reflicta-se, pulando para os dias de hoje, sobre as reais razões para não ser feito o referendo ao Tratado Europeu? Pense-se sobre as consequências para Portugal do modelo de ensino que está a ser implementado e se tal caminho serve o interesse nacional?
No referido artigo, Loureiro dos Santos diz a dado passo que «se as políticas de defesa fossem eficientes, não haveria quaisquer dúvidas quanto ao emprego das forças militares de segurança externa (forças armadas) em operações de combate no interior do território nacional». Pois é… Desde logo, anota-se que para o general há duas forças armadas – as viradas para a vertente externa (as forças armadas) e as viradas para a vertente interna (GNR), sendo que a estas últimas também é permitido intervir no exterior, enquanto às outras está vedado intervir no interior. Depois, é preciso ter presente que para concretizar essa proposta de Loureiro dos Santos, será necessário alterar a Constituição da República, desígnio que move a direita. Que tal tese só tem sentido partindo de um conceito que nos é estranho, que é o conceito de segurança nacional e que enforma a doutrina dos EUA. Depois, onde encaixa isto na tese das prioridades que o general refere, ou se quisermos, a lei do estado de sitio e de emergência não chega? Não terão as forças armadas problemas bem mais graves e urgentes a que é necessário dar resposta? E não se encaixa esta proposta do general no processo que o próprio critica, de criação de uma miniatura das forças armadas das grandes potências, a exemplo, aliás, da recente decisão de criação de um comando conjunto na estrutura superior das forças armadas?
A verdade é que as saídas adiantadas passam invariavelmente por opções à direita, ou seja, as que conduziram as coisas ao estado em que estão.
Não é certo dizer que o Estado português não age no quadro de um conceito estratégico nacional que tenha formulado, como diz Loureiro dos Santos. Mas é um facto que os sucessivos governos não respeitam os conceitos constantes na Constituição da República e é um facto que o que tem norteado a política, as opções e as prioridades é o conceito estratégico da NATO.
A exigência de respeito pela Constituição da República continua a ser o elemento mais aglutinador da sociedade portuguesa e saída mais galvanizadora para a superação dos graves problemas a que a política de direita a conduziu. Há uma crise na sociedade portuguesa, crise que o general Garcia Leandro titulou de «A falta de vergonha». Mas a resolução da crise não passa, por exemplo, por uma nova lei eleitoral autárquica que diminui a representação política, consolidando por via administrativa o poder PS/PSD. Como não passa por uma ideia e prática democráticas, do estilo «digam o que quiserem que faremos o que quisermos».
Como afirmou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, «A Constituição da República não é um documento neutro. Ela é ainda a expressão dos ideais e das necessidades concretas de transformação e progresso do nosso país que Abril tornou possíveis».
A condição militar não é aquilo que alguns dizem que é, procurando assim, a partir de falsas premissas, os argumentos para desancar nas forças armadas. Nem é aquilo que a propaganda governamental não raras vezes difunde, para justificar as suas opções. A cada um impõe-se, cada vez mais, a capacidade de transformar noticias em informação, esta em conhecimento que se deve sintetizar em saber para uso na acção quotidiana.
A condição militar é somente, e isto é quase tudo, um conjunto de direitos e garantias que permitem com que um militar possa encarar a sua estada nas fileiras com inteira dedicação, inclusive com sacrifício da própria vida, em cumprimento dos desígnios e valores da Constituição da República.
As forças armadas não são dos Governos. Têm um dever de subordinação ao poder político, mas subordinação não é submissão. Ora, todo o percurso que tem vindo a ser feito, vai no sentido de desarticular o quadro de direitos e garantias – a condição militar – e acentuar os mecanismos conducentes à submissão. Tal retrocesso nas sapatas conceptuais em que assenta a condição militar, até poderia verificar-se num quadro de valorização de algumas das componentes – melhores vencimentos, melhor assistência na saúde, etc., como alguns defendem, numa mera e perigosa visão mercantil, ao estilo do tudo tem um preço. Mas não. O retrocesso a que se assiste, desenvolve-se num quadro de desvalorização global, de perda efectiva de direitos nos seus diferentes planos e atingindo crescentemente sectores mais elevados da hierarquia, sendo claro que aquilo que hoje uns sentem, já muitos amargam há muito tempo.
Da indignação à contradição
e aos problemas éticos
Percebem alguns hoje aquilo para que outros há muito alertam. Incomodam-se alguns hoje com aquilo, contra o qual outros há muito lutam. É positiva essa evolução. Mas em nome da verdade, têm-se também de dizer que muitos dos que hoje revelam a sua indignação, não se libertaram do preconceito que os invade sobre um vastíssimo conjunto de matérias, a começar na consagração plena do associativismo militar de carácter sócio-profissional e acabando nos caminhos para um efectivo desenvolvimento económico, social, cultural e político para o nosso país. São por isso compreensíveis as contradições que os invade. Promovem uma análise amplamente partilhada, detectam os fulcros dos problemas e os responsáveis, mas a saída que avançam é, em muitos casos, retrograda.
A desregulação atrás referida coloca problemas de tipo vário, entre os quais estão problemas éticos profundos, como sejam, por exemplo, a resposta às seguintes perguntas: onde está o cumprimento da Constituição da República? Como faço se o juramento que efectuo, é o de cumprir e fazer cumprir a Constituição? O que faço perante o flagrante incumprimento de leis por parte do poder político? Transformo-me num igual e cuido zelosamente da minha carreira? Deixo andar, escondendo valores e princípios, ziguezagueando numa confrangedora gincana? Passo à reserva, perdendo anos de carreira? Por certo que todos os dias, estas e outras interrogações assolam muitos militares. Tais inquietações não podem deixar de ter tradução no modo como esses militares estão na Instituição.
Dos estados de alma da constatação
às soluções que acentuam a viragem à direita
O general Espírito Santo, presidente da direcção da Revista Militar, no editorial de Dezembro da referida revista, sob o título «Os Compromissos são para Cumprir», refere a Lei 11/89 – Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar – e o seu artigo 16.º, que diz «É garantido aos militares e suas famílias, de acordo com as condições legalmente estabelecidas(à época do contrato…) um sistema de assistência e protecção, abrangendo, designadamente, pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue e subsídios de invalidez e outras formas de segurança, incluindo a assistência sanitária e apoio social», para de seguida perguntar: «Este compromisso da Nação e do Estado pode ser quebrado por Governos?». Na mesma revista, o general Loureiro dos Santos afirma, noutro artigo, que: «O Estado português não age no quadro de um conceito estratégico nacional que tenha formulado. Verdadeiramente, não se sabe bem qual o motor da sua acção, o cimento que articula as várias políticas sectoriais». E adianta mais à frente, «Se as políticas de defesa fossem eficientes, definiriam acertadamente as prioridades de obtenção dos materiais e equipamentos indispensáveis à sua real efectivação, em função das ameaças concretas que precisamos esconjurar, tendo sempre como farol os interesses nacionais. (…) Políticas que assegurassem que os materiais e equipamentos fossem recebidos (…) nos prazos pré-definidos, através do cumprimento rigoroso da atribuição das dotações previstas…». E acrescenta, se assim fosse, «Elas não conduziriam a uma miniatura das forças armadas das maiores potências, procurando copiar todas as suas capacidades, sem definir claramente o essencial e o secundário, o que se traduz na delapidação de recursos em capacidades de menor prioridade(…). Nem a sucessivos deslizamentos na atribuição das verbas programadas(…). À não orçamentação ou suborçamentação de dotações(…). À alteração do destino de montantes atribuídos (…) desviando-os para carências gritantes na área do pessoal(…). Se as políticas de defesa fossem eficientes, elas assegurariam (…) os recursos humanos necessários, através de um sistema militar misto (…) com militares provenientes da conscrição. (…) Elas (as políticas, dizemos nós) não se condicionariam a interesses sectoriais, de envolvente eleitoralista, buscando apoios em troca de favores (…). E as políticas de defesa não conduziriam a uma situação em que os militares se sentem maltratados pelo poder político(…)». É um pouco extensa a citação, mas vale a pena porque estamos em presença de um caso paradigmático daquilo que acima é referido, ou seja, quase tudo aquilo que o Gen. Loureiro do Santos refere, tem sido objecto de alerta e de tomada de posição do PCP ao longo dos tempos. Os militares, incluindo o general, sabem que é verdade. Mas que saída adiantam?
O general Espírito Santo, no já referido artigo, diz a dado passo que «O regime disciplinar que deve caracterizar a condição militar tem sido posto em dúvida(…)». Conhecendo-se o pensamento do general expendido noutros momentos, facilmente se percebe que o caminho defendido é o da moda antiga – a lei é o Chefe – e que a alteração legislativa produzida pelo governo PS, com o apoio do PSD, dificultando o recurso por parte dos militares aos tribunais será, para o general, pouco. Uns acham que os «presidentes do sindicato» devem ser os chefes, outros consideram que cabe ao ministro desempenhar esse papel reivindicativo. Em ambos casos, já numa linha condescendente, admitem que existam associações numa mera lógica coadjuvante.
Mas quanto a Loureiro dos Santos, começa-se logo pela afirmação desculpabilizante da política governamental que é seguida. Não se sabe, diz, qual o motor da sua acção. É claro que se sabe e sabe-se a quem serve, e o general também o sabe, até porque isto é do domínio dos factos. O Gen. Garcia Leandro, no jornal Expresso de 2/2/08, refere-o, dizendo que a política do Governo não toca nos grandes interesses, ao mesmo tempo que pede cada mais sacrifícios à generalidade da população que já vive com grandes dificuldades. E diz mais «a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor». E não se sabe também a forma servil, como é dito amen, governo após governo, a tudo o que é oriundo dos EUA? Veja-se o Iraque. Veja-se, em proporção, a presença militar externa portuguesa comparada com a de outros países. Veja-se toda a polémica que rodeia o transporte de presos para Guantanamo. Ninguém sabia? Alguém acredita? Vejam-se as opções de reequipamento tomadas ao longo dos anos, incluindo muitas das que estão actualmente previstas, e pergunte-se se foram em nome do interesse e das prioridades nacionais? Veja-se o que diz Ramiro Ladeiro Monteiro, primeiro director do SIS, na revista Sábado de 1/2/08, «A estrutura do SIS foi decidida no gabinete do ministro (Eduardo Pereira, do PS), mas é óbvio que houve apoio técnico da CIA». E porque defesa nacional não é só a componente militar, pergunte-se se as opções económicas tomadas ao longo dos anos, a destruição das pescas e da agricultura, a destruição da nossa indústria, serviram os interesses nacionais? Reflicta-se, pulando para os dias de hoje, sobre as reais razões para não ser feito o referendo ao Tratado Europeu? Pense-se sobre as consequências para Portugal do modelo de ensino que está a ser implementado e se tal caminho serve o interesse nacional?
No referido artigo, Loureiro dos Santos diz a dado passo que «se as políticas de defesa fossem eficientes, não haveria quaisquer dúvidas quanto ao emprego das forças militares de segurança externa (forças armadas) em operações de combate no interior do território nacional». Pois é… Desde logo, anota-se que para o general há duas forças armadas – as viradas para a vertente externa (as forças armadas) e as viradas para a vertente interna (GNR), sendo que a estas últimas também é permitido intervir no exterior, enquanto às outras está vedado intervir no interior. Depois, é preciso ter presente que para concretizar essa proposta de Loureiro dos Santos, será necessário alterar a Constituição da República, desígnio que move a direita. Que tal tese só tem sentido partindo de um conceito que nos é estranho, que é o conceito de segurança nacional e que enforma a doutrina dos EUA. Depois, onde encaixa isto na tese das prioridades que o general refere, ou se quisermos, a lei do estado de sitio e de emergência não chega? Não terão as forças armadas problemas bem mais graves e urgentes a que é necessário dar resposta? E não se encaixa esta proposta do general no processo que o próprio critica, de criação de uma miniatura das forças armadas das grandes potências, a exemplo, aliás, da recente decisão de criação de um comando conjunto na estrutura superior das forças armadas?
A verdade é que as saídas adiantadas passam invariavelmente por opções à direita, ou seja, as que conduziram as coisas ao estado em que estão.
Não é certo dizer que o Estado português não age no quadro de um conceito estratégico nacional que tenha formulado, como diz Loureiro dos Santos. Mas é um facto que os sucessivos governos não respeitam os conceitos constantes na Constituição da República e é um facto que o que tem norteado a política, as opções e as prioridades é o conceito estratégico da NATO.
A exigência de respeito pela Constituição da República continua a ser o elemento mais aglutinador da sociedade portuguesa e saída mais galvanizadora para a superação dos graves problemas a que a política de direita a conduziu. Há uma crise na sociedade portuguesa, crise que o general Garcia Leandro titulou de «A falta de vergonha». Mas a resolução da crise não passa, por exemplo, por uma nova lei eleitoral autárquica que diminui a representação política, consolidando por via administrativa o poder PS/PSD. Como não passa por uma ideia e prática democráticas, do estilo «digam o que quiserem que faremos o que quisermos».
Como afirmou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, «A Constituição da República não é um documento neutro. Ela é ainda a expressão dos ideais e das necessidades concretas de transformação e progresso do nosso país que Abril tornou possíveis».